Afinal, o que é preciso para fazer uma animação? Essa talvez seja uma das respostas mais complexas de todo o audiovisual. O mundo das animações é extremamente vasto, com inúmeras possibilidades de estilo e tecnologias.

Nesse texto, vamos tentar conhecer um pouco desse processo, os muitos caminhos que você pode aprofundar em uma faculdade de cinema ou de produção multimídia. Para saber sobre os procedimentos específicos, vale conferir os textos 3 perguntas sobre animação e Como fazer um filme.

Processo de fazer uma animação 2D

Desenhista fazendo a blocagem de um personagem. (fonte: People Matters)

O QUE É UM FILME DE ANIMAÇÃO?

Para produzir um filme, a câmera é um dos primeiros elementos que vêm a nossa mente. Nossa imaginação, no entanto, é sacudida quando o desejo é criar uma animação. Por anos, fazer uma animação significou o uso de papel e ferramentas de desenho, como lápis de cor e discos de animação. Hoje, os filmes da Pixar se destacam com suas animações 3D feitas em computação gráfica.

Animação x Live Action

Em primeiro lugar, vamos diferenciar a animação. A filmagem de personagens e cenários reais é chamada de Live Action, ou “ao vivo”. Podemos resumir a animação como tudo além disso. Mas já nessa diferenciação vamos descobrir que não é tão simples assim.

Por exemplo, o filme Smurfs é uma animação ou um Live Action? O filme mistura personagens animados, os próprios Smurfs, com personagens e cenários reais, como o ator Neil Patrick Harris. Space Jam apresenta Michael Jordan e Bill Murray “fisicamente” contracenando com Pernalonga e Patolino, dentre outros personagens animados dos Looney Tunes. Super-heróis como o Visão nos filmes da Marvel ou o Ciborgue nos filmes da DC entrariam em qual classificação? Até mesmo os dinossauros do Jurassic Park original, de 1993, têm aspectos de animação em meio a um filme Live Action.

Portanto, já dá para notar que a animação tem a capacidade de se inserir em qualquer produção. Não só isso, como pode fazê-lo de diferentes formas. Os exemplos acima contam com animações 2D e 3D. A Fuga das Galinhas, no entanto, conta com outra possibilidade, o stop-motion, um estilo de animação que conta com a filmagem em câmera de personagens que são bonecos de massinha ou outro material.

Então a primeira pergunta a se fazer sobre o desejo de criar uma animação deve ser: qual estilo de animação você quer seguir? Em nosso texto sobre o curso de animação, falamos um pouco mais sobre isso. Com o estilo em mente, é possível começar a fazer uma animação.

Pré-produção

Ter estilo é fundamental

O estilo vai limitar ou definir muitos aspectos da produção. As possibilidades de personagens, as características da ação na história, os cenários, tudo isso será influenciado pelo estilo, desde o primeiro passo. Só depois de decidir o estilo da obra é que os produtores podem começar a pensar em quais profissionais de animação contratar, por exemplo.
 

Para dar uma dimensão do impacto que o estilo de animação pode ter na concepção de histórias, até mesmo na escrita do roteiro, indico abaixo esse videoensaio do canal Just Write. O vídeo analisa, por exemplo, como a mudança de paradigma da animação 2D para a animação 3D causou uma revolução na temática das histórias mais famosas do mundo da animação.

Quem manda é o personagem

Outro ponto curioso em relação ao roteiro e ao mundo da animação é a construção de um personagem. Personagens são importantes em qualquer obra audiovisual, especialmente nas de ficção, mas a animação vai muito além.

Os personagens de produções Live Action ainda estão engatinhando na grande indústria do licenciamento de produtos, com bonecos Funko de super-heróis e personagens da série Game of Thrones. Mas com a exceção de Star Wars, que há anos arrecada rios de dinheiro em produtos, esse mercado sempre foi dominado pelos personagens de animação. Até mesmo os super-heróis que hoje vemos no cinema só alcançaram esse status depois de passar por essa lógica do mercado através dos quadrinhos.

Portanto, se os personagens são tão importantes para a animação, podemos entender que a criação de um personagem, mesmo os esquetes do visual de um protagonista, são inerentes ao processo de criação da história. Esses desenhos podem andar em paralelo ao roteiro ou mesmo vir antes dele.

Design de personagem

Criação de personagem na fase de pré-produção. (fonte: Medium)

Planejando mundos

Contudo, o roteiro de uma animação não se sustenta apenas no personagem. Vamos de novo usar o Live Action como modelo para entender. Os filmes da saga O Senhor dos Anéis dependem de um termo chamado “world-building”, a construção de universo ficcional necessária para uma história. Essa é uma das árduas tarefas de qualquer obra de fantasia. Uma construção bem-feita move legiões de fãs em debates de internet e criações de fanfics.

Não é tão comum falarmos de construção de universo com a mesma força para as animações. Mas agora que a ideia está em sua mente, vamos refletir sobre isso. O filme Viva – A Vida é uma Festa, da Pixar, nos apresenta o Mundo dos Mortos em uma versão da cultura mexicana. Nesse mundo, o roxo predomina e vemos esqueletos por todo lado.

No Brasil, que tal a animação Irmão do Jorel, com as regras da escola do irmão do Jorel ou os programas apresentados por Roberto Perdigoto? Em Bojack Horseman, há episódios como o que Bojack promove um filme no fundo do mar. Ou pense no próprio fundo do mar onde Bob Esponja e seus amigos vivem.

Animações são completamente dependentes da construção de seu universo, e essa construção, assim como os personagens, não só aparece no roteiro como influencia a sua escrita.

A animação, portanto, tem um aspecto que pode ocorrer em obras Live Action, mas com muito menos força: a construção visual dos elementos da história, que significa criar a aparência de personagens e cenários partindo do zero. É muito difícil escrever uma animação sem ao menos rascunhar visualmente o que é o universo e quem é o protagonista.

Filme de animação Viva

Personagem Miguel, protagonista do filme Viva: A Vida é uma Festa, entrando pela primeira vez no mundo dos mortos. (fonte: NY Times)

Economizando no cenário

Já que o universo é tão importante assim, naturalmente a escolha dos cenários no roteiro da história refletem isso. Na verdade, os cenários são essenciais. Pare para pensar em alguns exemplos: Os Simpsons, Os Flinstones, South Park, Tom e Jerry, Galinha Pintadinha. De quantos cenários você se lembra nesses desenhos?

A maioria das animações, especialmente desenhos animados e séries, se passa em poucos lugares. Há um ambiente principal, alguns ambientes auxiliares bem comuns e ocasiões mais raras em que vamos a novos locais. Por quê?

A animação é um processo extremamente custoso. Os profissionais envolvidos são caros e o tempo necessário para produzir um plano é enorme. A conta não fecha… a não ser que consigamos reaproveitar o máximo possível dos desenhos.

Por isso, uma série de técnicas são empregadas para diminuir esse custo e tornar a produção mais eficiente. A existência de poucos cenários é uma dessas técnicas, pois significa menos retrabalho. São menos elementos que precisam ser redesenhados a cada quadro ou plano.

Uma outra técnica, a animação limitada, por vezes faz o contrário. Com o personagem parado (ou quase),
a sensação de movimento é criada com o redesenho de elementos de cenário, em volta do personagem.
A posição dele é aproveitada, diminuindo o retrabalho.

A construção de personagens também emprega técnicas com esse propósito, como a criação de modelagens 3D em resina ou argila para escaneamento, ou o desenho apenas de pontos principais dos movimentos em uma cena de ação, método comum em animes japoneses.

Fazer uma animação, no entanto, não se resume à pré-produção. Portanto, aproveitando essa deixa, vamos seguir para a próxima fase.

Produção

Com essa diferenciação entre Live Action e animação mais clara, o resto da produção das duas é parecido. O roteiro segue guiado por estruturas de construção de uma história, algumas recentes, outras milenares. Os storyboards praticamente deixam de ser opcionais em uma animação, se tornam essenciais. A direção de um filme animado ainda precisa fazer a decupagem.

Opa, peraí, decupagem?

No texto Como fazer um vídeo profissional, comentamos sobre essa etapa, ainda na pré-produção, que também conta com o trabalho da direção de fotografia. Ela serve para o planejamento de câmeras, lentes e planos que serão usados na filmagem.

Câmeras e lentes na animação? Isso faz sentido?

Sim. Cada vez mais sentido. O exemplo básico acaba sendo o stop-motion, que filma como em um Live Action, mas com o hercúleo trabalho de ajustar cada frame nas massinhas dos personagens e cenários. No entanto, mesmo as animações 2D e 3D utilizam a tecnologia de câmeras em suas produções.

Veja a cena de abertura de “O Rei Leão” original, por exemplo:

Nela, vemos a Pedra do Rei. Na verdade, nos aproximamos, acompanhando o voo de Zazu a caminho de Mufasa. Essa animação está usando técnicas de filmagem que pertencem ao “mundo real”, ao uso de câmeras.

Toy Story 4, assim como muitas animações da Pixar, vai além, simulando na computação gráfica as configurações de câmeras e lentes reais para criar efeitos de foco iguais aos de uma câmera real. Até mesmo a captura de movimentos, algo que poderíamos achar que existe apenas para os personagens animados, é feita para a filmagem com um dos diretores de fotografia do filme, Patrick Lin.

Diretor de fotografia de animação

Operador de câmera realizando a filmagem digital para o filme Toy Story 4. (fonte: Nerdwriter)

Características da produção

Entende por que estou falando desse trabalho aqui na etapa de Produção? No fundo, as fases nos ajudam a entender a organização do trabalho. No mundo da animação, contudo, não é tão simples seguir de forma linear.
É preciso construir, planejar, reconstruir, replanejar… muitas etapas ocorrem em paralelo e se retroalimentam.

A construção dos personagens não é diferente. A princípio, você precisa entender tudo sobre o personagem quando começar a produção, certo? Só que algumas ideias sobre ele só vão se solidificar quando você entender como ele se movimenta, quais são seus exageros, como seu corpo funciona.

Walt Disney elaborou 12 princípios fundamentais da animação que falam apenas do desenho de personagens 2D, mas que guiam muita coisa até hoje. Não cabe aprofundar esses princípios aqui, mas algumas questões como o princípio do exagero dependem dessa construção visual. Como o Sr. Cabeça de Batata, de Toy Story, que tem todos os seus trejeitos e conflitos baseados no fato de seu corpo ser uma cabeça de batata. Portanto, aspectos desse personagem que seriam definidos na pré-produção são indissociáveis de processos que só chegam na produção, como a modelagem 3D.

Animação 2D x 3D

A animação 2D apresenta algumas diferenças da animação 3D na forma de colocar tudo na tela. Primeiro,
a animação 2D utiliza o computador, mas nasceu muito antes de essa tecnologia vingar. É possível filmar uma animação 2D apenas com um flipbook, aquela técnica de desenhar em um caderno uma sequência enorme de desenhos com mínimas alterações e, ao passar rapidamente as páginas, gerar o efeito de movimento.

Um grande salto na animação 2D foi dado graças ao estúdio de animação UPA – United Productions of America. Após uma greve de criadores da Disney em 1941, a UPA foi criada com o desejo de aumentar a liberdade da animação, até então presa a uma visão de representação realista. Com desenhos como Mr. Magoo, a UPA se tornou referência por alguns anos devido a sua eficiência e capacidade de inovação. Sua influência foi tanta que alterou o estilo de outros estúdios, até mesmo da Disney.

A animação 3D, curiosamente, também ganha espaço na Pixar com um desejo de mudar a fórmula das animações Disney que reinava no início dos anos 90. Com ela vem a entrada feroz da computação gráfica no trabalho de produção das animações. Mas a tecnologia 3D também estimula um retorno às representações realistas, com o controle cada vez mais meticuloso sobre pelos do corpo ou o movimento de lábios na fala.

Atriz gravando a dublagem de Big Hero 6

Atriz gravando a dublagem do filme Big Hero 6. (Fonte: The Teenager Today)

Dando voz aos personagens

Pode parecer que tudo se resume a desenhos, né? Mas não! A animação conta com outro cenário específico de trabalho, uma profissão por si só: a dublagem.

Bem, a dublagem também existe em produtos Live Action. Nesse caso, porém, pensamos em traduções de obras de línguas estrangeiras. Podemos dizer que a dublagem é um “extra” em uma produção Live Action. Na animação, não. Ela é obrigatória – a não ser que o filme seja mudo.

A dublagem acaba se tornando um estilo próprio de atuação. É comum vermos produções com atrizes e atores renomados fazendo as vozes dos personagens de histórias animadas. Descobrir quem está fazendo uma voz chega a ser parte da diversão do público. Essa dublagem dá bastante trabalho, mas cria lendas, como as vozes de Atena/Saori, de Cavaleiros do Zodíaco, Goku, da série Dragon Ball, ou Scooby Doo.

Toda animação exige um esforço de sincronização dessa dublagem com a ação dos personagens, seus movimentos corporais e até labiais. Na animação 3D, isso é ainda mais acentuado, naturalmente.

O papel da computação

O cuidado com esses detalhes exige um esforço computacional enorme conhecido como renderização. É nesse processo que os modelos ou desenhos escaneados, desenhos gerados direto no computador, dentre outras possibilidades, alcançam seu estágio final após um processamento digital.

A renderização costuma ser custosa e demorada. Ela acaba unindo todos os aspectos de produção para que, na comparação com um Live Action, tenhamos o fim das “filmagens”. Todo esse trabalho gera um processo de produção muito mais longo, em média, do que a produção de um Live Action. Na animação, nada dura poucas semanas.

Animador trabalhando na animação Toy Story

Animador Pete Docter trabalhando na animação de Toy Story (1995). (fonte: Time.com)

PÓS-PRODUÇÃO

Espera aí, a animação ainda tem todo aquele processo de pós-produção de um filme ou vídeo Live Action?

É, tem sim. Edição de áudio, edição de vídeo, composição, efeitos visuais, colorização… Isso pode se tornar bem complexo quando é preciso misturar personagens e cenários reais com seres animados, como no caso de Space Jam, já citado.

A animação pode inclusive “pertencer” à pós-produção, quando o filme Live Action se utiliza da animação como tecnologia de computação gráfica para efeitos visuais. Sabe tudo que falamos de dublagem? Bradley Cooper e Vin Diesel atuam como Rocket e Groot nos filmes da equipe dos Guardiões da Galáxia, na Marvel. Essa parte é feita na Produção. Mas os personagens que conhecemos visualmente, o guaxinim e a árvore falantes, só nascerão de fato na pós-produção, depois de todas as filmagens estarem encerradas

Distribuição e marketing

A questão da idade

O mundo da animação carrega ainda mais peculiaridades, mesmo após o fim da criação. A primeira é o público.

Existem animações infantis, outras para adultos. Mas dificilmente você verá uma discussão sobre faixa etária ser tão acalorada em um filme Live Action como acontece em algumas animações para adultos. Afinal, existe um senso comum de que animação é coisa de criança.

Apesar de essa ideia não ser tão válida, é inegável o peso que a animação ganhou na vida das crianças.
O licenciamento de produtos é grande parte desse ponto. Crianças são ávidas por se identificarem com seus personagens prediletos, e o fazem com bonecos e bonecas, mochilas, lancheiras, chaveiros, edredons, camisas, saias…

Animações conseguem vestir uma criança da cabeça aos pés e ainda decorar todo o seu quarto. Esse poder é uma das grandes fontes de renda do ramo, o que justifica porque algo tão difícil de se produzir consegue tanto mercado.

Não deixa de ser interessante que esse poder comercial também siga na idade adulta. Animações como Os Simpsons, os animes japoneses e os desenhos de super-heróis também conseguem lucrar com o público adulto que ou consome pela nostalgia, ou cada vez mais se interessa em consumir esses conteúdos sem se preocupar com a idade.

Pai e filho fantasiados de Pokemon

Pai e filho fantasiados como personagens de Pokémon (fonte: CafeMom)

A longa vida da animação

Por conta disso, produções de animação podem ter uma vida bastante longeva.

Para aproveitar esse potencial, alguns cuidados são necessários em fases anteriores, como o registro dos personagens na pré-produção. Esse é mais um fator especial. Histórias Live Action não contam com a possibilidade de registro de personagens originais. Você pode registrar um roteiro, um argumento, algumas opções para uma obra. Mas personagem é um tipo de registro que só faz sentido no contexto das animações.

Para produzir uma animação, se prepare. O trabalho é enorme. A potência dessas histórias, também. Para que esse trabalho alcance seu potencial, é importante conhecer mais sobre cada uma dessas possibilidades apresentadas, e para isso, é preciso estudar muito. Se o seu objetivo é fazer uma animação cinematográfica, a faculdade de cinema e o curso de multimídia são graduações que apresentam muitos desses caminhos.

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